E se de uma forma espontânea, ou pensada, ou calculada, ou combinada, grande parte da população votasse em branco numas eleições??
José Saramago tem, na minha
opinião, alguns dons, o inegável dom da escrita é um deles. Os seus livros são “coisas”
inteligentes e acutilantes, onde muitos pontos finais, parágrafos e travessões
não estão presentes, nem fazem falta, onde se salta de diálogos para reflexões
gramaticais, contextuais, descritivas.
Outro dos dons é a capacidade de
ter fantásticas ideias para criar as suas estórias. Poderíamos começar logo por
duvidar, e eu seriamente duvido, sobre a possibilidade de conseguirmos
mobilizar mais de 80% da população a levantar a mesma bandeira política. Mas
por isso é que Saramago é tão maravilhosamente bom, porque ao mesmo tempo que
tem a coragem e a capacidade de mostrar o quanto o ser humano pode ser absolutamente
abominável, e este lado negro agarra-se a nós quando o lemos e sentimo-nos (eu
sinto-me) sem qualquer esperança no futuro da nossa espécie, também consegue
mostrar o quanto conseguimos ser genuinamente bons, o quanto conseguimos ser
genuinamente empáticos, o quanto conseguimos perceber que se abrirmos mão do
nosso carater deixamos de ser quem somos e isso não vale a pena, este lado luminoso
é tão real e tão sentido que nos sentimos (eu sinto-me) confortados e “quentinhos”.
Para mim este é o dom mais precioso de José Saramago, o equilíbrio entre a
escuridão e a luz, a relatividade com que ele mergulha nos dois é desarmante,
não há música de suspense antes de um mau momento, não existem fogos de
artifício antes dos bons momentos, existe tudo e cada coisa na mesma linha de
importância.
Mas, e se de uma forma espontânea,
ou pensada, ou calculada, ou combinada, grande parte da população da capital de
um país votasse em branco numas eleições?
Não é bonita a reação dos governantes,
a ânsia por manter e ganhar mais poder pode fazer coisas assustadoras.
A democracia é colocada em perigo
com tantos votos em branco?
“que os direitos só o são
integralmente nas palavras com que tenham sido enunciados e no pedaço de papel
em que hajam sido consignados, quer ele seja uma constituição, uma lei ou um
regulamento qualquer, compreendereis, oxalá convencidos, que a sua aplicação
desmedida, inconsiderada, convulsionaria a sociedade mais solidamente
estabelecida, compreendereis, enfim, que o simples senso comum ordena que os
tomemos como mero símbolo daquilo que poderia ser, se fosse, e nunca como sua
efectiva e possível realidade. Votar em branco é um direito irrenunciável, ninguém
vo-lo negará, mas tal como proibimos às crianças que brinquem com o lume,
também aos povos prevenimos de que vai contra a sua segurança mexer na
dinamite.”
Mas é colocada em causa e é caricaturada
com a resposta dada!
Prémio Nobel de Literatura
1998
329 páginas
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