terça-feira, 26 de julho de 2022

Desgraça <> J. M. Coetzec


O título é autoexplicativo mas não é uma ou várias desgraças simples, são momentos cheios de camadas, camadas espessas profundas e feitas de história. 

É claro que podemos sempre tentar perceber o quanto somos, ou não somos, responsáveis pelas possíveis desgraças que nos vão acontecendo, algumas são previsíveis, outras poderão ocorrer ou não, algumas temos zero responsabilidade nelas... mas independentemente disso tudo, uma desgraça é uma desgraça.

Também podemos discutir como lidar ou reagir a uma desgraça, de quanto tempo o nosso corpo precisa para voltar a ter alegria, qual o equilíbrio entre aceitar a dor e a tristeza e ao mesmo tempo ir forçando a vida... independentemente disso tudo a desgraça deixa marcas eternas.

Não me consegui identificar com as personagens principais do livro, nem com o pai nem com a filha. Consegui partilhar sentimentos, tenho a pretensão de achar que consegui ser empática com a dor e mesmo com as opções tomadas, mas não me identifico com elas e tenho a certeza de que se a Lucy fosse minha amiga eu lhe "gritaria" todos os dias: NAAAAAOOOOO, IR POR AÍ NÃO É UMA OPÇÃO, TU MERECES MELHOR, TODAS MERECEMOS MAIS.

Mas não sou amiga dela e a obrigação de me fazer uma espectadora obrigou-me a respeitar as decisões mas trouxe-me muita tristeza.

"Não deixa de ser curioso que um homem egoísta como ele se tenha oferecido para tratar de cães morto. Deve haver outras formas mais produtivas de uma pessoa se entregar ao mundo, ou a uma ideia do mundo. Por exemplo, podia trabalhar mais horas na clínica. Podia tentar persuadir as crianças que andam na lixeira a não encherem os corpos de veneno. Até mesmo sentar-se e dedicar-se mais objectivamente ao libreto de Byron poderia ser considerado um serviço à humanidade. 

Mas há outras pessoas para o fazerem - aquilo dos amigos dos animais, aquilo da reabilitação social, até mesmo aquilo de Byron. Ele salva a honra de cadáveres, porque não há mais ninguém suficientemente estúpido para o fazer. É nisso que ele se está a transformar: num estúpido, num idiota, num desatinado. "

Nós vivemos com uma imagem romântica do pós-apartheid, da nova África do Sul de Nelson Mandela. E ainda bem que assim é, eu sou uma admiradora de Nelson Mandela e de tudo o que ele representou e ainda representa. Mas este livro vem mostrar um bocadinho da realidade. Era impossível que uma transição daquelas fosse feita sem violência, teria sido perfeito perfeito, mas impossível.


234 páginas 

Leya - BIS





sábado, 2 de julho de 2022

A Gorda °° Isabela Figueiredo


Em primeiro lugar é indispensável enaltecer a coragem, a enorme coragem de mostrar de forma pública todo um lado vulnerável recheado de intimidade e/ou desconforto.

Eu falo por mim, deixo para o que é público (como neste momento) situações boas, de tomada de posição ou de indignação, guardo o lado lunar para um punhado, cada vez mais pequeno, de pessoas... Talvez (de certeza) ainda não tenha conseguido descolar-me suficientemente de todos os padrões sociais, ou talvez seja (também) uma questão de personalidade, ou talvez o caminho seja o inverso, mergulhar nesse desconforto ajuda a descolar. Independentemente da causa ou do efeito a coragem é enorme e precisa de ser enaltecida.

Depois temos a mulher, que tem de ser perfeita, que continua a ter de ser perfeita. Mesmo depois de tanta luta por direitos e tratamento digno, depois de tanto reconhecer a utopia e a crueldade de se usarem "top models" como modelo, a mulher continua a ter de ser perfeita. É claro que é discutível a própria posição de não exigir perfeição de uma mulher (principalmente em surdina)... é discutível?? Hoje em dia tudo é discutível... só que não, é utópico e cruel (ponto final) 

Por fim temos o amor. Somos mesmo todos diferentes e amamos todos de forma diferente. Mas todos nós amamos. A Luísa ama de uma forma tão inconstantemente permanente. É intenso e requer toque e cheiro. É tocante e desafiante. A Luísa é uma força da natureza do amor. 

"Só cor, luz e calma. Sinto-me bem. <<Não quero parar de viver. Nunca! Quero para sempre a experiência deste momento e de outros que virão e agora desconheço.>> A declaração mental traz-me à mente o verso de Cesário Verde inscrito na entrada do metro da Cidade Universitária. <<Se eu não morresse, nunca! E eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das cousas! >>

<<Seria interessante. Muito interessante, mesmo>>, pondero. <<Uma vida inteira talvez fosse suficiente para resolver o fogo, as brasas e as cinzas da efermidade terrena. Ou talvez não. Talvez nos fossemos envolvendo em novos fogos ao longo da eternidade. Quão eterna pode ser a eternidade? E duas eternidades?!>> Ri-me com os meus botões. <<Duas eternidades!>> Deixei escapar uma curta gargalhada. Continuava especulando sozinha, evadindo-me comigo, com as minhas conversas. <<O meu cérebro não para. Máquina maldita! Para Maria Luísa, para! Vive isto agora. Vive só isto. Mais nada. >> E obrigo-me a respirar. A focar-me nos sentidos e só neles. As flores e o seu odor. A luz ainda mansa que não me fere os olhos. "

Caminho