domingo, 27 de novembro de 2022

O Tamanho do Mundo & António Lobo Antunes

 


 27 de novembro era (é) o dia do meu pai. Tão próximo do meu dia, mas já de signos diferentes e, no entanto, percebo mais agora, com boas coisas em comum

Hoje, dia 27 de novembro, terminei “O Tamanho do Mundo” que fala muito de um pai que não era, que não foi perfeito…

… mas que apesar dessa imperfeição merecem uma pequena homenagem… se um empurrava a filha no baloiço para que tocasse nas nuvens com os pés, o outro ensinou a filha a nadar e transmitiu-lhe o amor pela água… ambos foram ausentes de forma diferente, ambos marcaram de forma decisiva as filhas… “que pena não ter entendido o amor que apesar de você não saber dar-mo recebi de si”…

Lá está António Lobo Antunes a colocar tanto amor numa só frase.

(sim, a pequena homenagem já acabou, não é confortável mostrar essa parte de mim)

Este blog começou por causa de Lobo Antunes, pela enorme estupefação que senti quando o li, não imaginava que alguém escrevesse assim… sobre o amor. Sim, para mim, Lobo Antunes escreve sobre o amor e recupero a primeira frase que escrevi em 2004 “ Um livro repleto de personagens complexas que acima de tudo precisam de amor e tentam encontrá-lo, algumas não da melhor forma.

Eu que não fiz nada para isso, sinto orgulho por António Lobo Antunes ser português, por escrever na nossa língua.

“A solidão mede-se pelos estalos dos móveis à noite quando a poltrona em que me sento de súbito desconfortável, enorme, e os objetos aumentam nos naperons, inclinados para mim a escutarem, a quem terá pertencido a santinha da talha a que falta um dos dedos, que garganta tosse dentro da minha a chamar, que segredos são estes de que não entendo as palavras, o que desejam ao certo vindos de uma gaveta empenada, cheia de laços de cabelo desbotados e fotografias antigas”

284 páginas

D. Quixote

A Anomalia - Hervé Le Tellier

 


Eu não sou nenhuma especialista em literatura ou em escrita, mas consigo perceber a diferença de energia entre livros de tempos diferentes.

Assim como nós analisamos e categorizamos a escrita de séculos mais antigos ou mesmo a escrita do século passado, acredito que a escrita de hoje também será analisada e categorizada. E pergunto-me, o que dirão sobre ela?

Eu adoro o embalo da escrita contemporânea, esta, cada vez mais frequente, forma de escrever poesia em forma de prosa, essa bonita forma de dizer tanto dizendo tão pouco de forma clara.

“Miesel tem uma superstição: no bolso das calças de ganga, leva sempre uma peça de lego, amais comum, a que tem dois por quatro botões, vermelha-viva. Provém da muralha do castelo que ele e o pai construíram no seu quarto, quando era pequeno. Houve o acidente, na obra, e a maquete ficou por acabar, pero da sua cama. O menino observava amiúde, silencioso, as ameias, a ponte levadiça, as figuras, a masmorra. Continuar sozinho a construção do edifício teria sido equivalente a aceitar a morte, portanto mais valia desmontá-lo. Um dia, soltou um tijolo da muralha, enfiou-o no bolso e desmontou o castelo. Isto há trinta e quatro anos.”

“A Anomalia” é um livro viciante, que nos agarra desde a primeira página até à última. A ideia do livro é brilhante e, com uma escrita deliciosa, ficamos agarrados à vida dos passageiros de um específico voo Paris – Nova Iorque. Não se pode escrever muito sobre o livro sem ser spoiler e por isso nada melhor do que o ler… vale mesmo a pena.


O Leitor - Bernhard Schlink // O Livro de Aron - Jim Shepard

 


O Holocausto sempre me causou uma grande impressão, acho que é o mais comum e o mais normal, não me sinto absolutamente nada especial por tudo aquilo me causar tanta repulsa, que outra sensação poderia causar?

Nunca procurei por histórias, até evitei algumas (como o Diário de Ann Frank), todos os filmes que vi e livros que li, foram porque me vieram parar às mãos sem eu os pedir. Este verão foram estes dois... 

Sempre me perguntei como é que somos  aqueles que estando num engarrafamento há uma hora e desejosos de chegar a casa, não hesitamos em chegar o carro para o lado quando ouvimos  sirenes de uma ambulância, mas também somos os responsáveis pelo holocausto... 

A massa de seres que mostra um comportamento solidário e empático com o estranho que vai dentro daquela ambulância, e aquela pessoa pode ser um ladrão, um assassino, um violador, um pedófilo. É a mesma massa de seres que  assistiu e/ou participou na matança de meros e comuns mortais (incluindo crianças) judeus. 

É este grande enigma que "O Livro de Aron" me relembra, como podemos ser tão bons e tão maus, ou melhor tão empático e tão indiferentes??
"O Livro de Aron" mostra a evolução da perseguição, as primeiras restrições de movimentos e de direitos, a formação dos guetos para judeus, a extinção dos diretos básicos (comida, calor) e só depois o extermínio, quando já estavam no limite da sobrevivência. Atrevo-me a dizer que foi esse avanço progressivo nas medidas que ditou o seu sucesso. Isso e o silêncio dos não perseguidos.

"O Leitor" trouxe-me algo que nunca tinha pensado. E depois de tudo ter acabado, como é que os não perseguidos conseguiram manter a cabeça erguida? Como lidaram com o terrível sentimento de vergonha de terem feito parte daquela história, nem que tenha sido "apenas" como figurantes? Como é que contaram o que aconteceu aos seus filhos, como é que explicaram o seu silêncio/envolvimento? 

Porque nem os judeus foram completamente dizimados nem os seus carrascos o poderiam ser depois. Mas tiveram que voltar a viver todos em paz depois da guerra acabar...