sábado, 30 de março de 2024

1984 {} George Orwell


Altura estranha para ler este livro. Para ajudar, enquanto o lia esbarrei com o "V for Vendetta" e aconteceu o atentado de Moscovo, seguido da teoria hilariante de Putin. É só olhar (nem precisa de ser com atenção) e ver que de uma forma mais ou menos semelhante o 1984 acontece nos dias de hoje em alguns pontos do Planeta. 

Se acho que é mau? Senti pânico ao imaginar um telecrã (que é um espião e uma abolição do silêncio e da paz) dentro de cada casa. 

Imaginar pessoas sem a sua individualidade numa sociedade é para mim uma violência inadmissível. Não quero, não quero, não quero viver num sítio assim. 

Se sinto algum tipo de curiosidade sobre como é que que se chega ali e como os ditadores funcionam lá no íntimo? eeeeehhh não é preciso ser muito inteligente para saber que aquela gente cheira mal... 

Fiquei agarrada ao livro na segunda página porque existiu sempre em Orwel uma preocupação estética enquanto se  comprometeu a dar voz aos seus sentimentos de militantismo e de injustiça. 

Não há ali nada de bonito, mas a forma como está escrito... é uma obra de arte.


"Winston achou-a, pela primeira vez, bela. Nunca antes lhe passara pela cabeça que o corpo de uma mulher de cinquenta anos, mostruosamente inchado por gravidezes e depois endurecido, maltratado pelo trabalho até ficar com a textura áspera de um nabo velho, pudesse ser belo. Mas era-o, de facto, e afinal de contas, pensou ele, porque não? O corpo sólido, sem contornos, semelhante a um bloco de granito, e a pele vermelha, rugosa, estavam para o corpo de qualquer rapariga como o fruto da roseira está para a rosa. Porque é que o fruto havia de ser menos prezado do que a flor?"


Antígona

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Eu Vou, Tu Vais, Ele Vai () Jenny Erpenbeck


Li mais de metade deste livro num dia de sol de inverno de frente para o mar. Um dia de um magnífico pôr do sol, um dia de paz, um dia perfeito, um dia fácil... porque é que não pode ser um dia fácil para todos?

"... a respiração de um planeta é muito mais lenta que a respiração de qualquer ser humano. Se vestirmos calças e casacos de uma loja de roupa doada, uma camisola de marca, um vestido caro ou barato, ou um uniforme com capacete e viseira, por baixo dessa roupa estamos sempre nus e, se tudo correr bem, teremos tido prazer em estar ao sol ou ao vento, na neve ou na água, em ter comido ou bebido isto ou aquilo, talvez em termos amado alguém e em termos sido amados, antes de morrermos. O que no mundo cresce e flui é mais do que suficiente para todos..."

O fotógrafo Sebastião Salgado zangou-se com a humanidade depois do seu périplo por África, acredito que Saramago estava zangado com a humanidade quando escreveu o Ensaio Sobre a Cegueira. Lembrei-me destes dois exemplos enquanto lia este livro porque é muito fácil entender e sentir essa zanga quando o lemos.

Aquilo que podemos dizer sobre a história deste livro é quase um lugar comum (infelizmente), os imigrantes/refugiados que procuram o continente Europeu trazem com eles histórias de amor pela terra natal misturadas com a  sensação de miséria e em muitos casos com traumas de episódios violentos. Mas acrescento que nós, Europeus de pele clara, somos literalmente uns copos de leite ao pé desta resiliência em forma de gente... Quantos dias teríamos aguentado aquele caminho?? 

Não há soluções fáceis para este flagelo, mas que temos uma cota parte de responsabilidade nas causas de tudo isto não há dúvida. Agora temos as consequências no nosso país, na nossa cidade, no nosso banco de jardim e somos chamados a ter responsabilidade sobre elas. No fundo no fundo estão a obrigar-nos a ser adultos e isso é uma chatice. 

É assustadora a violência que existe em tudo, em todo o lado ao mesmo tempo. Talvez faça sentido uma frase que ouvi uma vez num documentário sobre a nossa espécie: "Nós, os que cá estamos agora, somos os filhos dos assassinos."


259 páginas

Relógio D'Água

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Tudo É Rio # Carla Madeira


Acho, com alguma certeza, que quando descrevemos ou classificamos as pessoas com base nos constantes e eternos julgamentos do bom ou mau, do certo ou errado, tudo fica sem cor. 
Está lá o Branco, com a pureza, a virgindade, a correção dos modos, com o que é aceite... Fica reservado para o Preto tudo o resto, tanta coisa... Nem é só, aquela famosa gigante zona cinzenta que se perde, perdem-se todas as cores, todas as possibilidades de ver beleza em sítios diferentes. 
Carla Madeira tem todo um arco-íris no seu rio, a tranquilidade azul da tia Duca, a luxúria vermelha de Lucy, a luz dourada de Aurora, a ternura rosa de Dalva... 
É um livro/rio cheio de vida, de querer viver, e isso tem sempre cor. É um rio maravilhoso.

"Aprendeu que a verdade não tem dono, que é duro demais existir e que ninguém precisa de ajudar ninguém a sofrer. O sofrimento vem sozinho, tem pernas, mais cedo ou mais tarde ele aparece; o que a gente tem de buscar é a alegria, essa esconde-se delicada na correria dos dias, não se oferece de pronto, quer ser encontrada, surpreendida, amada."

"Algumas vezes as mudanças acontecem na marra. Uma guilhotina afiada corta as nossas mãos, e todas as rédeas escapam. É o que pensamos ter acontecido, até que a gente se dá conta de que nunca houve rédeas. Ninguém monta na vida. Brincamos de escolher, brincamos de poder conduzir o destino. Precisamos dessa ilusão para viver os dias de antes, dias em que podemos tudo só porque pensamos poder, e então a vontade do que está fora da gente joga a sua sombra densa e pegajosa. Ficamos prisioneiros do que não queremos muito antes de morrer."

194 páginas
Particular