Somos seres complexos e temos fios imaginários que nos ligam uns
aos outros… Não gosto de ter uma visão racional e pragmática sobre tudo e por
isso faço por sentir que o que liga os pais aos filhos e os filhos aos pais são
fios imaginários… Porque por vezes são pessoas tão diferentes, com
sensibilidades, prioridades e visões tão distintas que só alguns fios
imaginários as manteriam por perto.
Neste livro são linhas nocturnas, fios delgados de tripas
estendidos entre duas canas metálicas intermitentemente pontilhadas de anzóis,
que se enterram vazias na maré vazia e se recolhem, talvez cheias, na maré
vazia seguinte, que ligam um pai e um filho. O pai e o filho encontram-se e
desencontram-se ao longo da sua história, deixando cada um deles no outro,
marcas fortes e infelizmente neste caso irreversíveis.
A presença de uma bonita professora de piano e também de várias
guerras (a segunda mundial, as civis de Irlanda e de Espanha) são pretextos
para sermos envolvidos numa sensação de humanidade na traição. Mas é uma Irlanda cheia de água que preenche o cenário. É uma
Irlanda fustigada pelo mar e pelas tempestades que nos faz mergulhar numa
sensação de normalidade na roupa molhada colada ao corpo. No fim, é o mar que
com o seu silêncio preenche todos os silêncios e com a sua força traz a paz.
“Quis então exorcizá-lo de uma vez por todas, pô-lo finalmente a
descansar e dirigi-me à casa, abri a porta da cave por baixo das escadas e
encontrei as canas metálicas, agora a enferrujarem-se, dobradas num círculo no
cimo das velhas tripas ainda presas a elas. As linhas tinham desbotado, estavam
verdes em alguns pontos, âmbar noutros, e os velhos anzóis embotados ainda
pendiam delas. Envolvi-os com uma mão, peguei numa pá de carvão com a outra, saí
e desci os degraus até à areia e comecei a andar. Caminhei em direcção à linha prateada
que era a maré, mas não a cheguei a encontrar.”
215 páginas
Cavalo
de Ferro
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