Existem aqueles escritores que nós reconhecemos porque veem
o mundo da mesa forma que nós, dão força aos nossos sentimentos mais presentes e
fazem-nos sentir que não estamos sozinhos. Depois existem aqueles que despertam
em nós sensações adormecidas que também reconhecemos mas de uma forma longínqua
e associadas a algum um momento ou fase da nossa vida. E depois existem os
outros que nos transmitem sensações novas, de visões do mundo que não temos,
mas que pela sua escrita e descrição conseguimos sentir.
Para mim Valter Hugo Mãe está nesta última categoria. Eu não
vejo o mundo como ele, eu não sinto o mundo como ele… antes de o ler.
Um livro extremamente poético onde existe uma melancolia e
uma fatalidade que envolve a jovem cega Matsu, o jardim da floresta, o quimono
da senhora Fuyu, os animais assassinados por Itaro… onde existem o amor, a
inveja, a ira, a bondade… onde existe o fundo do poço, escuro, frio húmido,
habitado pelo remorso em forma de fera.
“O oleiro dava-lhe as graças e assim se reconheciam. Sabiam que
ambos se debatiam com feras eminentes. Predadores que haveriam de destruir tudo
o que de mais sagrado tinham. A jovem Matsu percebia o quimono movido ao vento
e sorria tristemente. Tinha dúvida nenhuma de que, como Saburo, sucumbiria
também em breve, ineficaz nas palavras, marcada pelo destino.
A criada Kame gritava: musumé, onde estás tu. E a jovem Matsu
respondia: no teu coração. A criada voltava a gritar: e mais onde. Matsu
respondia: ao sol. Estou aqui encostada ao sol. Era como se o sol se estendesse
até tocar no corpo ao abandono da jovem. A criada juntava-se-lhe e culpava-se
de parar os trabalhos por um instante. Por vezes, escolhiam a fome em troca de
um mínimo de sossego. A felicidade podia acontecer num ínfimo instante, ainda
que a fome se mantivesse e até a sentença para sofrer. O sofrimento nunca
impediria alguém de ser feliz.”
214 páginas
Porto Editora
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Pablo from Argentina