Valter Hugo Mãe escreve poesia em forma de prosa. Para mim é um
absoluto prazer lê-lo, é uma mistura entre um embalo doce de um poema e o
mergulho profundo nas emoções que nos preenchem sejam elas boas ou más.
Arrisco-me a dizer que Mãe gosta de lugares pequenos, gosta de
observar as ligações que se estabelecem em lugares pequenos em que toda a gente
se conhece, gosta de entender em que sentimentos, valores e princípios assentam
tais ligações. Para mim, a sua visão que deixa nos seus romances, é crua e
absolutamente realista… chega a magoar… mas é descrita de uma forma doce, tão
bela, que não deixamos de sentir a luz.
Não é raro, nesses lugares pequenos, as relações serem assentes em
padrões de igualdade (igualdade, não normalidade), onde temos que fazer tudo
igual, onde temos que sentir tudo igual, onde temos que seguir o mesmo caminho
dos outros. Ousar fazer algo diferente, sentir algo diferente, seguir um
caminho diferente… não é só diferente… é mau… é errado. Discussão tão antiga
esta, onde estão os limites do que é certo e errado? não estão definitivamente
no mesmo sítio dos limites do igual e do diferente…
E o ser diferente neste livro passa por se gostar de pessoas do mesmo
sexo (assunto que nos inunda hoje em dia), mas passa também (e acho isso
maravilhoso) por se continuar a sonhar, independentemente do tamanho dos
sonhos, e correr em busca deles contra todos os velhos do restelo que vamos
encontrando, passa também por não nos acharmos uns coitadinhos e estarmos bem
connosco, mesmo que aos olhos da “nossa gente” nos devêssemos sentir uns
coitadinhos porque somos pobres, sozinhos, deficientes…
A minha representação de amor preferida de todos os livros que li,
sempre foi a história do Baltazar e da Blimunda, no Memorial do Convento, de
José Saramago. Arrisco-me a dizer que a história do Crisóstomo e da Isaura,
está lá… está quase lá…
Eu recomendo sempre a leitura, mas recomendo a leitura deste livro,
porque é humano, cheio de coisas simples, que todos entendem, todos sentem…
“O homem que chegou aos quarenta anos pescava, cozinhava para si os
peixes com paciência e cuidado, sentava-se à mesa a ouvir quem ia estender-se
ao sol ou jogar bola ali ao pé do mar. Ouvia aquela companhia, que era uma
réstia de companhia ou companhia nenhuma, e comia os seus peixes a pensar que
tinha de haver uma solução.
Decidiu que sairia à rua dizendo às pessoas que era um pai à procura
de um filho. Queria saber se alguém conhecia uma criança sozinha. Dizia às
pessoas que vivia no bairro dos pescadores, porque era um pescador, e dizia que
os amores lhe tinham falhado, mas que os amores não destruíam o futuro. Pensava
o Crisóstomo que algures na pequena vila haveria alguém à sua espera como se
fosse verdadeiramente a metade de tudo o que lhe faltava. E muito pouco lhe
importava o disparate, tinha nada de vergonha e sonhava tão grande que cada
impedimento era apenas um pequeno atraso, nunca a desistência ou a aceitação da
loucura.
Pensava que quando se sonha tão grande a realidade aprende”
272 páginas
Porto Editora
É sem dúvida um dos meus livros favoritos...quer seja da obra de Valter Hugo Mãe, quer ser em termos gerais...gostei muito de o ler.
ResponderExcluirGreat blog!!
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Pablo from Argentina