Ler Yann Martel é entrar em contacto com o sofrimento, com a
resiliência, com a fé… A fé, essa capacidade de saber que vai correr tudo bem
mesmo quando corre tudo mal, essa capacidade de aceitar o que não conseguimos
controlar sem perder o equilíbrio, essa palavra que durante muitos anos esteve
bem ou mal associada à religião mas que agora surge como parte do
desenvolvimento pessoal.
Por esse motivo as obras de Yann Martel são, para além de
inteligentes e profundas, pertinentes e atuais.
As Altas Montanhas de Portugal, envolve muitos locais, dos
quais destaco, porque estão no meu coração, Lisboa, São Tomé e Príncipe e o
norte de Portugal e apresenta três histórias separadas por algumas décadas onde
o sofrimento pela morte de alguém próximo se mantém presente com três tipos de
reações:
“A primeira parte do livro simboliza o ateísmo [a viagem de
Tomás, perdido e sem fé], a segunda aborda o agnosticismo [os encontros do
médico legista com o fantasma da sua esposa e com uma viúva que quer guardar-se
no corpo do defunto], a terceira parte explora como seria viver com Jesus de
Nazaré e ser um dos discípulos [um senador canadiano viúvo adota um chimpanzé,
abandona tudo e refugia-se numa aldeia transmontana]” (Yann Martel em
entrevista à Visão)
Das três é notório que a ultima tem a capacidade de transmitir
alguma paz e destaca o poder do agora, que os animais (em particular e nesta
obra o chimpanzé) conseguem desfrutar.
“Ao passo que Odo passou a dominar o simples truque humano
de fazer papas de aveia, Peter aprendeu a difícil capacidade animal de nada
fazer. Aprendeu a libertar-se da correria do tempo e a comtemplar o tempo em
si. Tanto quanto lhe parece, é isso que ocupa a maior parte da existência de
Odo: existir no tempo, como alguém sentado à beira de um rio a observar a água
fluir. É difícil de aprender, limitar-se a sentar-se ali e existir. Ao início
ansiava por distrações. Abstraia-se em recordações, fazendo correr o mesmo
filme vezes sem conta, afligindo-se em remorsos, ansiando pela felicidade
perdida. Mas está a conseguir dominar esse estado de repouso banhado de luz de
simplesmente ficar à beira do rio.”
Editorial Presença
270 páginas
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