Nunca vivi numa ditadura e sei que não quero viver. Não
quero que me digam por onde tenho que ir, não quero que calem e oprimam o meu
lado refilão que é tão grande mas também é tão justo e tão humano. Amo acordar
num país onde posso ser aquilo que sou… que embora esteja cheio de defeitos,
não me estrangula nem me aprisiona…
Não tenho paciência para pensamentos pequenos e verdades
absolutas e até agora todas as ditaduras que conheci (nos livros, nos relatos
dos mais velhos, nos filmes…) são exatamente isso. Assentes na ideia de que
existem raças superiores a outras, ou na ideia de que somos todos iguais, o
resultado final é sempre o mesmo, uma grande concentração de poder num punhado
de pessoas e uma completa eliminação de tudo o que é pensamento individual.
Porque, para mim, é óbvio de que não existem raças superiores a outras e também
é óbvio que não somos todos iguais. Consigo ter a certeza, pelo pouco que sei
de cada uma delas que não quero, não quero!!!
A ditadura de Mao foi particularmente agressiva porque foi
sempre o povo que se revoltou contra o povo. O polícia era o vizinho do lado, o
vizinho da frente, o colega do trabalho, tudo era controlado e escrutinado, as
roupas, os olhares, os gestos, as mais pequenas atitudes. Ao longo de toda a
ditadura foi sempre preciso encontrar o inimigo infiltrado, o que deu azo a milhões
de bodes expiatórios e vinganças pessoais.
A mediocridade e a ignorância eram celebradas, os livros
foram queimados, os professores espancados e tudo o que era cultura passou a
ter o selo burguês e capitalista. As escolas estiveram fechadas por anos e
muito do património arquitetónico Chinês foi destruído.
O endeusamento de Mao foi tão completo e profundo que muitos
dos chineses, mesmo depois de serem torturados, não conseguiam ver o quanto era
ele que estava errado. A escritora deu, e muito bem, destaque ao seu processo
de consciência e reconhecimento da responsabilidade de Mao.
“Eu e os meus amigos falávamos muitas vezes a respeito do
Ocidente. Por essa altura, tinha chegado à conclusão de que devia ser um lugar
maravilhoso. Paradoxalmente, as primeiras pessoas que me meteram esta ideia na
cabeça foram Mao e o seu regime. Durante anos, todas as coisas para as quais eu
me sentia naturalmente inclinada tinham sido condenadas como males do Ocidente:
roupas bonitas, flores, livros, diversões, delicadeza, boa educação,
espontaneidade, misericórdia, bondade, liberdade, aversão à crueldade e à violência,
amor em vez de «ódio de classe», respeito pela vida humana, a vontade de estar
sozinha, a competência profissional…”
Esta visão romântica e irreal do Ocidente, da Europa, continua
hoje em dia a chamar e a trazer muitas pessoas para cá. Mas... talvez não seja tão
romântica ou irreal assim e talvez devêssemos olhar para ela com orgulho e com
vontade de a manter.
Quetzal
517 páginas
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