domingo, 1 de dezembro de 2019

Cisnes Selvagens ∞ Jung Chang




Nunca vivi numa ditadura e sei que não quero viver. Não quero que me digam por onde tenho que ir, não quero que calem e oprimam o meu lado refilão que é tão grande mas também é tão justo e tão humano. Amo acordar num país onde posso ser aquilo que sou… que embora esteja cheio de defeitos, não me estrangula nem me aprisiona…

Não tenho paciência para pensamentos pequenos e verdades absolutas e até agora todas as ditaduras que conheci (nos livros, nos relatos dos mais velhos, nos filmes…) são exatamente isso. Assentes na ideia de que existem raças superiores a outras, ou na ideia de que somos todos iguais, o resultado final é sempre o mesmo, uma grande concentração de poder num punhado de pessoas e uma completa eliminação de tudo o que é pensamento individual. Porque, para mim, é óbvio de que não existem raças superiores a outras e também é óbvio que não somos todos iguais. Consigo ter a certeza, pelo pouco que sei de cada uma delas que não quero, não quero!!!

A ditadura de Mao foi particularmente agressiva porque foi sempre o povo que se revoltou contra o povo. O polícia era o vizinho do lado, o vizinho da frente, o colega do trabalho, tudo era controlado e escrutinado, as roupas, os olhares, os gestos, as mais pequenas atitudes. Ao longo de toda a ditadura foi sempre preciso encontrar o inimigo infiltrado, o que deu azo a milhões de bodes expiatórios e vinganças pessoais.
A mediocridade e a ignorância eram celebradas, os livros foram queimados, os professores espancados e tudo o que era cultura passou a ter o selo burguês e capitalista. As escolas estiveram fechadas por anos e muito do património arquitetónico Chinês foi destruído.

O endeusamento de Mao foi tão completo e profundo que muitos dos chineses, mesmo depois de serem torturados, não conseguiam ver o quanto era ele que estava errado. A escritora deu, e muito bem, destaque ao seu processo de consciência e reconhecimento da responsabilidade de Mao.

“Eu e os meus amigos falávamos muitas vezes a respeito do Ocidente. Por essa altura, tinha chegado à conclusão de que devia ser um lugar maravilhoso. Paradoxalmente, as primeiras pessoas que me meteram esta ideia na cabeça foram Mao e o seu regime. Durante anos, todas as coisas para as quais eu me sentia naturalmente inclinada tinham sido condenadas como males do Ocidente: roupas bonitas, flores, livros, diversões, delicadeza, boa educação, espontaneidade, misericórdia, bondade, liberdade, aversão à crueldade e à violência, amor em vez de «ódio de classe», respeito pela vida humana, a vontade de estar sozinha, a competência profissional…”

Esta visão romântica e irreal do Ocidente, da Europa, continua hoje em dia a chamar e a trazer muitas pessoas para cá. Mas... talvez não seja tão romântica ou irreal assim e talvez devêssemos olhar para ela com orgulho e com vontade de a manter.

Quetzal
517 páginas

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