sexta-feira, 20 de julho de 2018

Amanhecer com mostro marinho ≈ Neil Jordan


Somos seres complexos e temos fios imaginários que nos ligam uns aos outros… Não gosto de ter uma visão racional e pragmática sobre tudo e por isso faço por sentir que o que liga os pais aos filhos e os filhos aos pais são fios imaginários… Porque por vezes são pessoas tão diferentes, com sensibilidades, prioridades e visões tão distintas que só alguns fios imaginários as manteriam por perto.

Neste livro são linhas nocturnas, fios delgados de tripas estendidos entre duas canas metálicas intermitentemente pontilhadas de anzóis, que se enterram vazias na maré vazia e se recolhem, talvez cheias, na maré vazia seguinte, que ligam um pai e um filho. O pai e o filho encontram-se e desencontram-se ao longo da sua história, deixando cada um deles no outro, marcas fortes e infelizmente neste caso irreversíveis.

A presença de uma bonita professora de piano e também de várias guerras (a segunda mundial, as civis de Irlanda e de Espanha) são pretextos para sermos envolvidos numa sensação de humanidade na traição. Mas é uma Irlanda cheia de água que preenche o cenário. É uma Irlanda fustigada pelo mar e pelas tempestades que nos faz mergulhar numa sensação de normalidade na roupa molhada colada ao corpo. No fim, é o mar que com o seu silêncio preenche todos os silêncios e com a sua força traz a paz.

“Quis então exorcizá-lo de uma vez por todas, pô-lo finalmente a descansar e dirigi-me à casa, abri a porta da cave por baixo das escadas e encontrei as canas metálicas, agora a enferrujarem-se, dobradas num círculo no cimo das velhas tripas ainda presas a elas. As linhas tinham desbotado, estavam verdes em alguns pontos, âmbar noutros, e os velhos anzóis embotados ainda pendiam delas. Envolvi-os com uma mão, peguei numa pá de carvão com a outra, saí e desci os degraus até à areia e comecei a andar. Caminhei em direcção à linha prateada que era a maré, mas não a cheguei a encontrar.”

215 páginas
Cavalo de Ferro

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