segunda-feira, 19 de junho de 2017

Norwegian Wood ₼ Haruki Murakami



A capacidade de nos conectarmos com pessoas que acabamos de conhecer de uma forma única e profunda que nos conforta e aquece o ser que somos e ao mesmo tempo a frequência com que olhamos para os que diariamente nos rodeiam e nos sentimos um ser estranho, deslocado, exterior…. como se o lugar ao sol não fosse só um lugar fosse também uma companhia.
Mais do que um contador de histórias, Haruki Murakami é um contador de pessoas (já o disse antes) e tem uma tão grande capacidade e coragem de escrever pessoas tão banais, tão reais, tão cheias de fragmentos de nós, que quando mergulha dentro delas, é dentro de nós que ele mergulha.
Perder amigos porque decidem por termo à vida, perder familiares porque foram consumidos por uma doença, perder um sonho porque temos uma lesão… a melancolia e o vazio da incerteza que acompanha as suas personagens obriga-nos a vivê-las de uma forma natural e permanente porque são acima de tudo parte de nós.
Não há juízos de valor sobre qual o melhor caminho a seguir, não há pessoas completamente cheias de razão sobre tudo, mas existe aquela sensação de um leve empurrão para a frente para seguires o caminho, o TEU caminho.

“O pirilampo esvoaçou para o ar bastante tempo depois, como se tivesse ocorrido de repente. Abriu as asas e voou rapidamente por cima do corrimão até flutuar na palidez da escuridão. Delineou um célere arco ao lado do depósito de água, como se tentasse recuperar um intervalo de tempo perdido. Por fim, após pairar durante uns escassos segundos como se observasse a linha curvada da sua própria luz a fundir-se com o vento, esvoaçou para leste.
O rasto da sua luz permaneceu dentro de mim bastante tempo depois de o pirilampo ter desaparecido e essa sua pálida e ténue luminosidade continuava a pairar como uma alma perdida na espessa escuridão por trás das minhas pálpebras.
Tentei várias vezes estender a mão na escuridão, mas os meus dedos não tocavam em nada. O ténue brilho perdurava, mas estava para além do meu alcance.”

“«A morte existe, não como o contrário da vida mas como parte dela». Nutrimos a morte enquanto vivemos as nossas vidas. Por verdadeiro que isto fosse, era apenas uma das verdades que tínhamos de aprender.”

“-Não sintas penas de ti próprio. Somente as idiotas agem assim.”

350 páginas
Civilização Editora

sábado, 10 de junho de 2017

CIDADE EM CHAMAS = GARTH RISK HALLBERG





Todos nós procuramos verdadeiramente aquele sítio em que temos a noção que somos infinitamente frágeis e vulneráveis mas não nos importamos verdadeiramente com isso. É duvidoso que esse sítio exista mas o segredo estará na procura e na descoberta… dele… de nós mesmos. De uma forma ou de outra este assunto aparece em tantos e tantos livros, escrito de tantas e tantas formas. No “Cidade em chamas” surge na multiplicidade de personagens que, escusado será dizer, são confrontados com os medos e fantasmas que enterram para não ter que lidar e admitir a tal infinita fragilidade e vulnerabilidade. Não há receitas de como devemos lidar com eles, de como podemos ficar em paz com eles, mas existe sim a grande lição de que teremos que o fazer mais cedo ou mais tarde.

É um livro grande, onde vamos saltando de história em história, que em pequenos e em grandes momentos se cruzam, que tem principalmente Nova Iorque como cenário desde 1959 passando pelo apagão de 1977 até aos dias de hoje e que aborda o extremismo, a marginalização, a homossexualidade, a violência contra as mulheres, as drogas, o poder e a liberdade.

Deixo-vos uma reflexão, de uma jovem, sobre a liberdade que é tão maravilhosa pelo facto de realçar que o imperialismo do eu consegue infetar todas as pequenas e grandes cenas.

“anarquia (grego anarkhía, -as, falta de chefe) 1. Uma sociedade utópica constituída por indivíduos que não têm governo e que gozam de liberdade absoluta.
A PÁGINA DO ENSAIO – Sobretudo política
Parece que hoje em dia toda a gente fala nisso, desde o “Anarchy in the U.K.” ao “Up Against The Wall Motherfuckers”. Vamos ao Vault numa sexta à noite e vemos pelo menos três miúdos com t-shirts brancas com o A maiúsculo dentro de um círculo pintado na frente. Se calhar até sou um deles. Porque de certo modo toda a cena punk tem a ver com libertação. Mas depois quando fui ver a definição acima e pensei bem nisso, comecei a ver uma tensão da qual de início não conseguia escapar. Por um lado: Liberdade completa. Liberdade para ser quem eu quiser. Exprimir-me como quiser. Viver onde quiser. Produzir o que quiser. Sintonizar a música que quiser no meu rádio. Mas também, se quiser, roubar o teu rádio, privar-te da tua própria música. Da tua utopia. Isto parece à primeira vista uma objeção infantil; basta introduzires na tua constituição anarquista ou lá o que for que o limite da liberdade é onde ela começa a infringir a liberdade dos outros. Mas veja-se um caso ligeiramente mais complicado. Digamos que sou casada com uma pessoa que não amo. Ou o equivalente anarquista de casamento. Digamos que tenho um filho. Tenho o direito de me libertar disso e simplesmente partir. Mas se o fizer, magoo o meu filho. Ou se levar o miúdo , magoo o meu marido. Mas se escolher não magoar nenhum dos dois, eles estão num certo sentido a magoar-me a mim. A infração, por outras palavras, está em todo o lado, e esta cena de liberdade é muito mais confusa do que parece á primeira vista.
Uma forma possível de fazer a quadratura do círculo, quer-me parecer, tem a ver com a outra parte de definição acima, “constituída por indivíduos”. Pergunto-me o que aconteceria se começássemos a pensar em unidades maiores do que esta. Como se o coletivo não fosse uma coisa que vem depois do individuo, mas aquilo que vem antes. Que torna o individuo possível. E se pudéssemos simplesmente definir “gozam de liberdade absoluta” de uma forma mais coletiva? Isso é possível sequer? Não sei, mas a alternativa atual parece sugerir que o imperialismo do eu infetou até esta nossa pequena cena. Aconselho os meus homólogos das t-shirts a começaram a pensar nestas coisas, a sério, porque daquilo que estamos a construir juntos no fim de contas só vais sobreviver – e talvez nós próprios também – se conseguirmos ultrapassar estes eus gritantes. Estes eu eu eu.”

997 páginas
Teorema - Leya