quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

As Altas Montanhas de Portugal ∾ Yann Martel



Ler Yann Martel é entrar em contacto com o sofrimento, com a resiliência, com a fé… A fé, essa capacidade de saber que vai correr tudo bem mesmo quando corre tudo mal, essa capacidade de aceitar o que não conseguimos controlar sem perder o equilíbrio, essa palavra que durante muitos anos esteve bem ou mal associada à religião mas que agora surge como parte do desenvolvimento pessoal.

Por esse motivo as obras de Yann Martel são, para além de inteligentes e profundas, pertinentes e atuais.

As Altas Montanhas de Portugal, envolve muitos locais, dos quais destaco, porque estão no meu coração, Lisboa, São Tomé e Príncipe e o norte de Portugal e apresenta três histórias separadas por algumas décadas onde o sofrimento pela morte de alguém próximo se mantém presente com três tipos de reações:

“A primeira parte do livro simboliza o ateísmo [a viagem de Tomás, perdido e sem fé], a segunda aborda o agnosticismo [os encontros do médico legista com o fantasma da sua esposa e com uma viúva que quer guardar-se no corpo do defunto], a terceira parte explora como seria viver com Jesus de Nazaré e ser um dos discípulos [um senador canadiano viúvo adota um chimpanzé, abandona tudo e refugia-se numa aldeia transmontana]” (Yann Martel em entrevista à Visão)

Das três é notório que a ultima tem a capacidade de transmitir alguma paz e destaca o poder do agora, que os animais (em particular e nesta obra o chimpanzé) conseguem desfrutar.

“Ao passo que Odo passou a dominar o simples truque humano de fazer papas de aveia, Peter aprendeu a difícil capacidade animal de nada fazer. Aprendeu a libertar-se da correria do tempo e a comtemplar o tempo em si. Tanto quanto lhe parece, é isso que ocupa a maior parte da existência de Odo: existir no tempo, como alguém sentado à beira de um rio a observar a água fluir. É difícil de aprender, limitar-se a sentar-se ali e existir. Ao início ansiava por distrações. Abstraia-se em recordações, fazendo correr o mesmo filme vezes sem conta, afligindo-se em remorsos, ansiando pela felicidade perdida. Mas está a conseguir dominar esse estado de repouso banhado de luz de simplesmente ficar à beira do rio.”

Editorial Presença
270 páginas

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