quinta-feira, 7 de maio de 2015

Comboio Nocturno para Lisboa ► Pascal Mercier


Fico curiosa sobre o que terá estimulado um escritor nascido em Berna e que vive em Berlim a criar uma personagem tão profunda e estimulante como Amadeu de Prado.

Para mim foi interessante perceber a imagem romântica e envolvente que nós portugueses conseguimos transparecer. Está lá o fatal, a esperança, a saudade, o orgulho… num jeito tão português.

A musicalidade da Língua Portuguesa é tantas vezes comemorada e a luz… a luz de Lisboa, essa não passa mesmo despercebida.

“Será que existe um segredo sob a superfície da actividade humana? Ou serão as pessoas tal e qual como se manifestam nos seus actos tão explícitos?
Pode parecer estranho, mas em mim a resposta muda com a luz que cai sobre a cidade e o Tejo. Se for a luz mágica de um dia vibrante de Agosto, capaz de produzir sombras claras e de um recorte nítido, a ideia de uma profundidade humana subjacente e oculta parece-me estranha como um fantasma curioso e, de algum modo enternecedor, qualquer coisa como uma miragem que se materializa quando me ponho a olhar fixamente as ondas que cintilam nessa mesma luz.”

Coisas nossas que nós não vemos porque estamos cá dentro. É bonito vê-las escritas por alguém que não é de cá.

As divagações que Pascal Mercier nos apresenta de Amadeu de Prado são extremamente ricas. São pensamentos e preocupações que estão presentes em cada um de nós mas que são escritos de uma forma tão clara, fluida e talvez até um pouco filosófica que se torna um prazer enfrentá-los.

“Ou trata-se do desejo – um desejo evanescente e patético – de voltar àquele ponto da minha vida em que teria podido optar por outra direcção completamente diferente daquela que acabou por fazer de mim aquilo que sou hoje?
Há algo de estranho neste desejo, um sabor a paradoxo e extravagância lógica. E isto porque aquele que o deseja já não é aquele outro que um dia, livre ainda de toda a carga do futuro, se viu perante a bifurcação dos caminhos. Pelo contrário, aquele que anseia pelo retorno, tentado nostalgicamente revogar o irrevogável, está marcado por toda a carga de um futuro que, ao ser percorrido, se tornou passado. E tentaria revogá-lo se não o tivesse percorrido e sofrido?”    

D. Quixote

423 páginas

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Triologia o Século ╠ Ken Follet




Começando pelo autor, Ken Follet, só posso afirmar que se trata de um grande escritor e um excelente contador de histórias. Se não o fosse não conseguiria agarrar o leitor durante as mais de 3000 páginas desta triologia com assuntos tão pouco interessantes, ou digamos de forma diferente, tão pouco populares como a história e a política tornando-os sim verdadeiramente interessantes.

Para aqueles, nos quais eu me incluo obviamente, que sempre tiveram uma enorme dificuldade em viver as aulas de história como um momento estimulante e surpreendente, acredito que a leitura d’”A Queda dos Gigantes” d’”O Inverno do Mundo” e do “No Limiar da Eternidade” aumentará a chamada cultura geral sobre o século passado de uma forma bastante agradável.

A apresentação do nosso passado é feita ao longo da vida de três gerações de algumas famílias que nos conquistam pela sua autenticidade. As guerras mundiais não são descritas, são vividas. Os novos modelos de governação assim como as novas leis não são apresentadas, são conquistadas. Nós não ficamos apenas a saber o que aconteceu, ficamos a saber também como aconteceu e porque aconteceu.

É claro que é a verdade de Ken Follet sobre toda a história que, se não me engano, é a verdade de alguém que acredita na paz e defende a democracia, mas não existem verdades completamente imparciais e confesso que me identifico bastante com esta.

Por outro lado é, na minha opinião, inegável o serviço que esta obra pode fazer no sentido de mostrar: 1. o quanto as posições radicais são perigosas, porque o foram efetivamente no passado; 2. que precisamos de ter cuidado e responsabilidade nas opções socais/cívicas/comunitárias que escolhemos e daí a importância da política; 3. que foi possível acabar com duas grandes guerras e que não nos pode interessar de todo entrar no ciclo vicioso.

Pessoalmente sou fanaticamente céptica relativamente a todo o tipo de fanatismo. O mundo é demasiadamente grande para existir uma só verdade absoluta e por outro lado é demasiadamente pequeno para acharmos que conseguimos criar um espaço rodeado de muros onde essa verdade absoluta pode viver eternamente.

Esta é a primeira vez que escrevo sobre um livro (neste caso 3) quando ainda não o acabei, mas independentemente do que estiver escrito nas restantes 600 páginas não duvido que mereça estas palavras.

“O jovem pediu um passaporte da Alemanha Ocidental, que era concedido automaticamente aos fugitivos.
(…)
- Vivíamos ambos no Leste. Ela ainda lá está, mas eu fugi.
- Como?
- Derrubei a barreira com uma carrinha.
- Foste tu? Li isso nos jornais. Eh, pá, que fixe! Mas por que diabo não trouxeste a miúda?
- Ela não compareceu ao encontro.
- É pena. Queres uma bebida? – Danni foi à parte de trás do bar.
- Obrigado. Gostava de lá voltar por causa dela, mas agora sou procurado por assassínio.
Danni tirou duas imperiais. - Os comunistas fizeram uma grande história da tua fuga. Dizem que és um criminoso violento.
Tinham igualmente pedido a sua extradição. O governo da Alemanha Ocidental recusara, afirmando que o guarda alvejara um cidadão alemão que queria apenas passar de uma rua de Berlim para outra. A responsabilidade da morte pertencia ao regime não eleito da Alemanha de Leste que aprisionava ilegalmente a sua população.”


Editorial Presença
Livro 1 – A Queda dos Gigantes
Livro 2 – O Inverno do Mundo
Livro 3 – No Limiar da Eternidade