segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Jerusalém x Gonçalo M. Tavares

A Crítica:

Jerusalém é um grande livro, que pertence à grande literatura ocidental. Gonçalo M. Tavares não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos: dá vontade de lhe bater!

José Saramago

Os seus “livros negros” já me tinham proporcionado uma felicidade de leitura que, porque rara, me anda a ser preciosa. Este Jerusalém eleva as suas qualidades à perfeição: uma invejável competência literária traz a ferocidade do enredo para uma escrita de beleza sóbria.

Hélia Correia

Com a nova literatura estamos por assim dizer num mundo da morte entre parênteses. Talvez nenhum autor cominique melhor esse sentimento que o autor de Jerusalém, Gonçalo M. Tavares. Chegou para ficar, num espaço só seu.

Eduardo Lourenço

O excerto:

Que ridículo, apeteceu-lhe dar uma gargalhada. Estou com fome, murmurou, há horas que não como. Estou aqui de noite, sozinha, mas o meu estômago veio; estou acompanhada.

O motivo da troça foi, logo de imediato, motivo de reflexão e de um certo temor, pouco explicável. Aquela dor no estômago, que manifestava a vontade de comer, essa dor era agora mais forte que a outra: a dor constante da doença, a dor que traria rapidamente aquilo de que todos os grandes e pequenos medos fogem. Como é possível, perguntou-se Mylia, que a dor provocada pela vontade de comer pão seja mais forte? Porque os médicos já o garantiram: vou morrer da dor que agora não consigo ouvir.

Ela percebeu, claramente, que ali, junto à igreija, estavam em competição duas dores grandes: a dor que a ia matar, a dor má, assim ela a designou, e, do outro lado, a dor boa, a dor do apetite, dor da vontade de comer, dor que significava estar viva, a dor da existência, diria ela, como se o estômago fosse, naquele momento, ainda em plena noite, a evidente manifestação da humanidade, mas também das sua relações ambíguas com os mistérios de que nada se sabe. Estava viva, e essa circunstância doía mais, naquele momento, de um modo objectivo e material, do que a dor de que ia morrer, agora secundária. Como se naquele momento fosse mais importante comer um pão do que ser imortal.”

Caminho

251 páginas

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