domingo, 12 de junho de 2011

DIÁRIO Ю Obras de Sebastião da Gama

Adorei…

Fez-me sentir tão pequenina… Eu que também sou professora, que também desejo que os meus alunos me ouçam e acompanhem, admito que não tenho metade da paciência e paixão de Sebastião da Gama tinha pela arte de ensinar:

Primeira lei: acreditar no aluno. Se o campo é bom e se a semente é bem lançada, até uma inicial vontade de enganar a contraria, agindo no espírito do aluno a nossa boa-fé.

Ora tudo isto vem a propósito de aulas más. Aulas más são as que os rapazes não querem ouvir. Mas então – poderia eu defender-me – que culpa temos nós de os rapazes serem barulhentos, desinquietos e desatentos? É verdade que às vezes a culpa não é nossa: é toda deles, a quem mais apetecia estar na rua que na escola. Mas para isso justamente é que serve o bom professor – e o meu drama resulta de que a mim só me interessa ser bom professor. Ser bom professor consiste em adivinhar a maneira de levar todos os alunos a estarem interessados; a não se lembrarem de que lá fora é melhor.”

Cada vez me apetece menos classificar os rapazes, dar-lhes notas, pelo que eles «sabem», Eu não quero (ou dispenso) que eles metam coisas na cabeça; não é para isso que eu dou aulas. O saber – diz o povo – não ocupa lugar; pois muito bem; que eles saibam, mas que o saber não ocupe lugar, porque o que vale, o que importa (e para isso pode o saber contribuir, só contribuir) é que eles se desenvolvam, que eles cresçam, que eles saibam «resolver», que eles possam perceber.

Mas até mesmo Sebastião tinha as excepções… ficou mais humano aos meus olhos:

Mas há casos em que as teorias têm de ser postas de parte. Com o Artur, é o acontece. Já experimentei tudo: zangar-me, mostrar que não passa de um palhaço, pedir-lhe em nome da minha saúde, de modo a comovê-lo, que tenha juízo. Tudo inútil.

E não posso deixar de referir uma grande vantagem… o sonho de muitos professores:

Graças a Deus e a outras pessoas inteligentes, não há agora, como houve até há meses, um programa rígido de Português que temos, quer queiramos, quer não, de impor aos nossos rapazes

Atrevo-me a identificar algumas das minhas características:

Eu nem sei como aprendi a gostar de ler. Talvez por uma predisposição interior, uma fatalidade.”

Ora aqui têm uma coisa com que o aluno se não irrita: que o chamem de número. É a tal hereditariedade a que me referi. Em Setúbal, onde tive no ano passado coisa de duzentos alunos, eu sabia a certa altura o nome de todos eles;

E por fim, duas frases… a grande bondade de Sebastião:

O que eu quero é que sejam felizes

Bendito seja Deus, por eu ser professor!

Edições Arrábida

261 páginas


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quarta-feira, 8 de junho de 2011

Memorial do Convento ۝ José Saramago

A segunda colaboração deste fantástico blog é da minha cara amiga Petra Aurora Fernandes.

Muito resumidamente… a Petra é uma pessoa muito colorida, que coloca profissionalismo e paixão em tudo aquilo que faz e que viaja na maionese quando tem que falar aos seus alunos, dos grandes escritores e das suas grandes obras.

Saramago é um grande escritor e o Memorial do Convento é uma grande obra, que a Petra, como professora de Língua Portuguesa que é, descreve plenamente...




By Petra Fernandes:

Memorial do Convento, de José Saramago é uma obra em três vertentes: a social, a histórica e a ficcional.

Saramago, nesta obra recorre a um momento da História e, em forma de narração alegórica, propõe uma reflexão sobre esses acontecimentos, sobre o comportamento e o destino humano e sobre um mundo onde há a magia do inexplicável.

O facto de existirem várias personagens que realmente existiram e que se misturam com personagens fictícias dá-nos a sensação de que esta obra se dirige à crítica da maior parte das personagens reais e à valorização das personagens fictícias que, não tendo existido, representam o povo (Baltasar e Blimunda).

Saramago descreve detalhadamente datas, locais e até mesmo horas de alguns acontecimentos históricos, mas o fio condutor da história é o amor de Baltasar e Blimunda e a construção da passarola. Baltasar e Blimunda vivem um amor sem regras e sem limites, instintivo e natural. Não há discurso amoroso, as palavras tornam-se desnecessárias quando o silêncio é rico de significação, quando entre os dois há apenas amor, paixão, gozo, cumplicidade, entendimento perfeito.

Blimunda é um elemento mágico não explicado, pois com os seus poderes mágicos «vê» as vontades, «olha» as pessoas por dentro e esta faceta de vidente confere-lhe um poder especial, que, inclusive, fará a passarola voar. A passarola constitui um símbolo de liberdade, mas igualmente de luz, de guia. Com a «recolha das vontades», combustível necessário para levantar voo, percebemos que, sem o querer humano, nenhum progresso científico, por si só, faz avançar o mundo.

No final da obra, a recolha da «vontade» de Baltasar por Blimunda marca a junção destes dois seres para sempre, o que demonstra que «o amor existe sobre todas as coisas».

Nesta obra Saramago pretende assim negar a ideia de que D. João V «ergueu» o Convento de Mafra, mas sim dar esse mérito ao povo e às vidas que por aquele convento foram sacrificadas.

Desejo a todos uma boa leitura, pois é uma obra muito rica e interessante! Não se vão arrepender «Vale sempre a pena se a alma não é pequena»

Caminho

359 páginas

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