quarta-feira, 30 de junho de 2010

sombras queimadas ж Kamila Shamise


“Depois, ele e Harry colocaram lado a lado as histórias que cada um conhecia da sua família. Histórias de oportunidades recebidas (Sajjad encontrou, através de Konrad, uma maneira de sair do mundo restrito do negócio da sua família), lealdade oferecida (Hiroko recusou afastar-se de Konrad quando o mundo dela o transformou num inimigo), abrigo providenciado (por três vezes Ilse ofereceu a Hiroko um lar: em Deli, Carachi, Nova Iorque), força transferida (Ilse nunca teria deixado a vida que odiava se não fosse por causa de Hiroko), desastre omitido (James e Ilse asseguraram que Sajjad e Hiroko estivessem bem distantes da carnificina da Partilha). E – esta parte Raza e Harry não disseram em voz alta – segundas oportunidades (de serem um pai melhor, um filho melhor).”

A história dos Weiss-Burton e Tanaka-Ashraf aparecem lado a lado tal como o excerto o demonstra. São vidas intensas cheias de opções, alianças e amor.

O romance é viciante porque para além das interessantes personagens que contém retrata a destruição provocada pela bomba atómica de Nagasáqui, a agitação de uma Índia que se estava a dividir, o espírito americano renascido pelo 11 de Setembro e a beleza perdida do Afeganistão por causa da guerra.

Kamila Shamise fez-me gostar de quase todas as personagens e torcer pela felicidade delas…

Mas… não gostei do fim…

437 páginas

Civilização Editora

comprar on-line

terça-feira, 15 de junho de 2010

a solidão dos números primos ÷ paolo giordano

Pela forma como está escrito e pela história interessante que apresenta é impossível não ler este livro de uma assentada.

Mattia e Alice passaram, cada um deles na sua infância, por uma situação traumatizante que deixou uma marca irreversível. As suas vidas ficaram fortemente condicionadas por essa situação e quando se conhecem sentem que partilham da mesma solidão, do mesmo silêncio, do mesmo vazio…

Auto-mutilação, anorexia, homossexualidade e bulling aparecem de forma assustadoramente natural na adolescência destes jovens. A perspectiva apresentada por Paolo é interessante uma vez que não se procuram soluções para estes problemas apenas se apresentam vidas que vivem para além deles.

A Matemática aparece de forma atraente no título e na vida de Mattia, funcionando como um refugio e preenchendo-a quase por completo.

“Os números primos apenas são divisíveis por 1 e pelo próprio número. Estão no lugar que lhes é próprio na infinita série dos números naturais, esmagados como todos entre dois, mas um passo mais além relativamente aos outros. São números desconfiados e solitários e, por isso, Mattia achava-os maravilhosos. Por vezes achava que tinham ido parar por engano àquela sequência, que tinham ficado lá aprisionados como pequeninas pérolas num colar. Outras vezes, ao invés, desconfiava que também eles gostassem de ser como os demais, apenas uns números quaisquer, mas que por algum motivo não haviam sido capazes. O segundo pensamento surgia-lhe sobretudo à noite, no emaranhado caótico de imagens que antecede o sono, quando a mente está demasiado débil para mentir a si mesma.”

Bertrand Editora

265 páginas


comprar on-line

terça-feira, 8 de junho de 2010

DESERTO ŧ J. M. G. LE CLÉZIO


Um livro duro e brutal que nos faz sentir, através das suas ricas e excelentes descrições, o quanto o deserto é impiedoso e cruel mas ao mesmo tempo profundamente marcante e viciante.

A intensidade do sol, a força do vento e a beleza da noite são as características do deserto que mais castigam mas ao mesmo tempo fascinam as personagens deste livro.

Nour e Lalla são dois jovens, descendentes da mesma tribo, separados por várias décadas. Ao longo da sua infância sofrem algumas privações iguais e outras diferentes, mas ambos constroem uma ligação imensa com o grande mar de areia.

Nour percorre o deserto seguindo alguém que venera à procura “de uma terra, de um rio, de um poço onde pudessem instalar as suas tendas e armar os currais para as ovelhas”.

Lalla viu o pior de Marselha e mesmo assim conseguiu conquistar o seu lugar ao sol… mas o sol q ela queria não era esse, era o mesmo que iluminava Hartani…

“À frente deles, a terra muito plana estendia-se como o mar, cintilante de sal. Ondulava, criava as suas cidades brancas com muralhas magníficas, com cúpulas que rebentavam como bolhas. O sol queimava-lhes as caras e as mãos, a luz causava vertigem, quando as sombras dos homens são iguais a poços sem fundo.

Todas as tardes, os lábios sangrentos procuravam a frescura dos poços, a lama salobra das ribeiras alcalinas. Depois a noite fria abraçava-os, quebrava-lhes os membros e a respiração, punha-lhes um peso na nuca. Não havia fim para a liberdade, ela era tão vasta como a extensão da terra, bela e cruel como a luz, doce como os olhos de água.”

Prémio Nobel de Literatura 2008

Dom Quixote

312 páginas

comprar on-line